Como definir, numa disciplina, uma abordagem específica ? Constituiria tal abordagem uma corrente, um sub-domínio ? Seria teórica ou metodológica ? Estaria situada ainda no mesmo campo disciplinar ?
No que tange ao discurso – sem deixar de lado o campo da língua – sabemos que constitui um campo disciplinar próprio, com seu domínio próprio de objetos, seu conjunto de métodos, de técnicas e de instrumentos. Entretanto, há diferentes maneiras de problematizar seu estudo.
A maneira pela qual abordamos o discurso insere-o numa problemática geral que procura relacionar os fatos de linguagem a alguns outros fenômenos psicológicos e sociais : a ação e a influência. Nessa perspectiva, o que se pretende é tratar do fenômeno da construção psico-socio-linguageira do sentido [1], a qual se realiza através da intervenção de um sujeito, sendo, ele próprio, psico-socio-linguageiro.
Neste artigo, abordaremos questões de ordem teórica e metodológica [2] e evidenciaremos as opções de análise adotadas pelo CAD [3] para desenvolver seus estudos sobre os discursos sociais.
Da leitura de trabalhos recentes, que focalizam o estudo da linguagem sob ângulos diversos, pode-se concluir, sem que necessariamente nenhuma destas obras o faça, que a linguagem comporta várias dimensões, as quais retomarei, livremente, da seguinte maneira :
São indagações que refletem a complexidade deste campo disciplinar. Diante disso, três atitudes são possíveis : inserir-se num desses domínios ; inventar um novo (como ousar ?) ; tentar conectar alguns dentre eles integrando-os numa problemática global (que será necessariamente transdisciplinar).
Esta última opção, por mais arriscada que seja [9] corresponde à posição que adotamos já há algum tempo, e que, ao longo dos anos, vem-se tornando mais precisa. Consiste em relacionar entre si determinados questionamentos que tratam do fenômeno da linguagem - sendo uns mais externos (lógica das ações e influência social), outros mais internos (construção do sentido e construção do texto).
Deve-se salientar, entretanto, que a articulação destes questionamentos se faz numa perspectiva lingüística (no sentido amplo). Se há comunicação, é de uma comunicação particular que tratamos : aquela que se realiza através da linguagem verbal ; se há construção do sentido, trata-se da construção que se faz pelas formas verbais ; se há construção de um texto, trata-se daquela que depende das regras de “ordenamento” do verbal.
Eis porque a posição que tomamos na análise do discurso pode ser chamada [10] de semiolingüística. Semio-, de “semiosis”, evocando o fato de que a construção do sentido e sua configuração se fazem através de uma relação forma-sentido (em diferentes sistemas semiológicos), sob a responsabilidade de um sujeito intencional, com um projeto de influência social, num determinado quadro de ação ; [11] lingüística para destacar que a matéria principal da forma em questão - a das línguas naturais. Estas, por sua dupla articulação, pela particularidade combinatória de suas unidades (sintagmatico-paradigmática em vários níveis : palavra, frase, texto), impõem um procedimento de semiotização do mundo diferente das outras linguagens [12].
Postulamos então que, para que a semiotização do mundo se realize, é necessário um duplo processo :
a) O processo de transformação compreende quatro tipos de operação que definiremos brevemente [13] :
Assim, numa notícia de jornal que tem por título : “Descaso : desaba o telhado de um supermercado. 15 feridos”, a identificação é marcada por : “telhado”, “supermercado” e “feridos”, com modos de determinação particulares desta identificação : “o”, “um”, “15” ; a qualificação está incluída nas denominações precedentes : “supermercado” (pela dimensão e peso), “feridos” (pelo estado das vítimas) ; a ação está expressa por “desaba” ; a causação por “descaso”.
b) o processo de transação se realiza de acordo com quatro princípios, dos quais fornecemos breves definições, já expostas anteriormente quando apresentamos nosso “postulado de intencionalidade” [14] :
Processo de transformação e processo de transação realizam-se, pois, segundo procedimentos diferentes, embora sejam solidários um do outro, sobretudo através do princípio de pertinência que exige um saber comum, construído precisamente ao término do processo de transformação. Pode-se até dizer que esta solidariedade é hierarquizada. Com efeito, as operações de identificação, de qualificação, etc. do processo de transformação não se fazem livremente. Elas são efetuadas sob “liberdade vigiada”, sob o controle do processo de transação, segundo as diretivas deste último [15]- o qual confere às operações uma orientação comunicativa, um sentido. É sempre possível construir um enunciado que mobilize as diferentes operações do processo de transformação, por exemplo : « sua batata está assando ». Mas o que tal enunciado significa enquanto ato de linguagem ? O que é que ele propõe como troca ? A qual jogo de transação ele corresponde ? Significa que “o processo de cozimento não terminou” e que sob a aparência de uma constatação “pede-se a alguém para olhar o forno” ? Ou que “o presidente perdeu a confiança em você e seu cargo está ameaçado” ? Ou que “sua mulher descobriu sua traição” ? Ou que “o que você me fez ontem, faltando ao encontro, não foi perdoado” ? Isto, sem considerar as significações colaterais que estariam ligadas a cada uma destas aqui evocadas.
Postular a dependência do processo de transformação para com o processo de transação equivale a marcar uma mudança de orientação nos estudos sobre a linguagem, buscando-se conhecer o sentido comunicativo (seu valor semantico-discursivo) dos fatos de linguagem. Assim como não é mais possível contentar-se com as operações de transformação isoladamente, também é necessário considerá-las no quadro situacional imposto pelo processo de transação, quadro que serve de base para a construção de um “contrato de comunicação”.
Esta hierarquização dos processos nos leva a completar o esquema precedente :
A descrição do duplo processo de semiotização que acabamos de propor, com suas operações e seus princípios, corresponde ao que denominamos, em trabalhos anteriores, e seguindo J.R.Searle, de postulado de intencionalidade [16]. Para nós, este postulado é o fundamento do ato de linguagem.
Um ato de linguagem, como acabamos de ver, pressupõe uma intencionalidade – a dos sujeitos falantes, parceiros de uma troca. Em decorrência, esse ato depende da identidade dos parceiros, visa uma influência e é portador de uma proposição sobre o mundo. Além disso, realiza-se num tempo e num espaço determinados, o que é comumente chamado de situação.
Assim sendo, como acabamos de mostrar – principalmente com os princípios de interação e de pertinência – , para que um ato de linguagem seja válido ( isto é, produza seu efeito de comunicação, realize sua transação) é necessário que os parceiros reconheçam, um ao outro, o direito à fala (o que depende de sua identidade), e que possuam em comum um mínimo de saberes postos em jogo no ato de troca linguageira. Mas ao mesmo tempo – segundo os princípios de influência e de regulação –, estes parceiros têm uma certa margem de manobra que lhes permite usar de estratégias. Dizemos então que a estruturação de um ato de linguagem comporta dois espaços : um espaço de restrições, que compreende as condições mínimas às quais é necessário atender para que o ato de linguagem seja válido, e um espaço de estratégias, que corresponde às escolhas possíveis [17] à disposição dos sujeitos na mise-en-scene do ato de linguagem.
Na abordagem semiolingüística, enfim, o princípio de pertinência – que implica o ato de reconhecimento recíproco por parte dos parceiros e um saber comum – vai muito além da instância de enunciação do ato de linguagem : inclui todo um conhecimento prévio sobre a experiência do mundo e sobre os comportamentos dos seres humanos vivendo em coletividade, conhecimento este que não precisa ser expresso, mas que é necessário à produção e compreensão do ato de linguagem. Tal abrangência nos leva a afirmar que o ato de linguagem se realiza num duplo espaço de significância, o externo e o interno à sua verbalização, determinando dois tipos de sujeitos de linguagem : os parceiros, que são os interlocutores, sujeitos de ação, seres sociais que têm intenções – que chamamos de sujeito comunicante e sujeito interpretante. ; e os protagonistas, que são os intra-locutores, os sujeitos de fala, responsáveis pelo ato de enunciação – os quais chamamos de (sujeito) enunciador e (sujeito) destinatário. E embora haja uma relação de condição entre esses dois tipos de sujeitos, não há entre eles uma relação de transparência absoluta. [18]
Esta série de hipóteses define, pois, o ato de linguagem como originário de uma situação concreta de troca, dependente de uma intencionalidade, organizando-se ao mesmo tempo num espaço de restrições e num espaço de estratégias, produzindo significações a partir da interdependência de um espaço externo e de um espaço interno - o que nos leva a propor um modelo de estruturação em três níveis [19] :
Assim, os sentidos do texto produzido serão, ao mesmo tempo, sobredeterminados pelas restrições da situação de troca, e singulares pela especificidade do projeto de fala. Por exemplo, toda publicidade trará os índices lingüísticos e semiológicos de seu conjunto de restrições (o que perrmite reconhecê-la enquanto tal) ; mas, por outro lado, cada publicidade corresponderá a uma estratégia de captação. Para tanto, o sujeito comunicante fará escolhas reveladoras de sua própria finalidade, de sua própria identidade, de seu propósito que lhe permitirão construir sua própria legitimidade, credibilidade e captação.
A análise do discurso, do ponto de vista das ciências da linguagem, não é experimental, mas empirico-dedutiva [22]. Isto significa que o analista parte de um material empírico, a linguagem, que já está configurada numa certa substância semiológica (verbal). É esta configuração que o analista percebe, podendo manipulá-la através da observação das compatibilidades e incompatibilidades das infinitas combinações possíveis, para determinar recortes formais, simultaneamente às categorias conceituais que lhes correspondem.
Uma análise do discurso deve pois determinar quais são seus objetivos em relação com o tipo de objeto construído , e qual é a instrumentalização utilizada, de acordo com o procedimento escolhido.
Em termos de objetivo, um dos problemas para a análise do discurso é o seguinte : procura-se descrever as características gerais do funcionamento do discurso em geral, ou as características particulares de um discurso em particular, isto é, de um texto ?
A primeira opção corresponderia a uma perspectiva antropológica social. Trata-se de descrever os comportamentos linguageiros próprios aos indivíduos vivendo em sociedade, que são levados a reagir sempre da mesma maneira quando estão inseridos em tal ou qual situação de troca. É esta a tendência da filosofia da linguagem e de uma parte da etnometodologia [23]. Esta perspectiva implica as seguintes questões : o que é que determina o grau de generalidade das características descritas ? Estas foram (idealmente) submetidas ao confronto com um número bastante grande de situações de troca (diversas no tempo e no espaço) para provar sua validade ? Se as respostas a tais questões forem positivas, qual seria o alcance de uma análise com características tão gerais ?
A segunda opção corresponderia a uma perspectiva de análise textual, na qual focaliza-se uma realização particular (um texto), para tentar descrever, da maneira mais exaustiva possível, os traços que a caracterizam. É uma outra tendência da etnometodologia e de algumas análises de texto. Esta perspectiva suscita igualmente duas questões : o que se pode concluir de fatos particulares se eles não apontam para os mecanismos recorrentes que presidem à fabricação destes textos ? Não estariam estes fatos particulares relacionados a regularidades que se consolidaram e que, por organizarem as trocas linguageiras, devem obrigatoriamente ser levadas em conta pelo analista [24] ?
Tais questões são abordadas continuamente pelos pesquisadores, pois todos sabem que o procedimento de análise é duplo, indo do particular para o geral, e do geral para o particular. O que não impede que, segundo as tendências, se privilegie tal ou qual movimento, induzindo a formação de tal ou qual modelo. Neste caso, definiremos nossa posição.
Nosso objetivo de análise do discurso consiste em destacar as características dos comportamentos linguageiros (o “como dizer”) em função das condições psicossociais que os restringem segundo os tipos de situações de troca (os “contratos”). É uma dupla perspectiva, em relação de reciprocidade : que condições propiciam quais comportamentos linguageiros possíveis, e quais comportamentos efetivos são propiciados por quais condições. É preciso, então, buscar os meios de estudar tais condições e tais comportamentos.
As condições, para nós, são estruturadas num “contrato de comunicação” [25] o qual preside a toda produção linguageira. Para descrevê-las, é necessário, reunir produções que, por hipótese, pertençam ao mesmo tipo de situação ; a isso denominamos de “corpus de textos”. Este trabalho se faz ao mesmo tempo por um levantamento empírico (intuitivo) das constantes que permitem reunir estes textos (por exemplo, para a publicidade, destacam-se as constantes : produto, marca, slogan-promessa, assinatura de uma agência de publicidade, suporte de difusão), e por um levantamento também empírico das diferenças entre estes textos e os textos que se assemelham a eles mas não possuem todas as constantes levantadas anteriormente (por exemplo, textos de propaganda política). Estabelecem-se assim fronteiras que circunscrevem, de início, um (ou mais) corpus de textos relativamente homogêneo. Este tipo trabalho determina uma das condições que consideramos fundamental para a constituição de um corpus, e que é constitutiva do procedimento de análise : a condição de “contrastividade”.
Assim sendo, o estudo das características discursivas próprias a esse corpus mostra o funcionamento das condições do contrato de comunicação, pois tais características as reativam ou as transgridem, e, ao mesmo tempo, mostra como funcionam as estratégias (conscientes ou não) próprias ao projeto de fala do sujeito comunicante.
Uma vez determinado este objetivo global (não se trata de hipóteses), resta precisar alguns critérios de construção do corpus.
As fronteiras que acabamos de traçar remetem à possibilidade de reagrupar os textos em tipos segundo alguns critérios de semelhança, isto é, à possiblidade de construir uma tipologia. O problema é que não existe uma tipologia de textos, mas tantas tipologias quantos forem os critérios adotados. Tudo depende do que se escolheu para olhar : formas, sentido, mecanismos ? E em seguida : que formas, que sentidos, que mecanismos ? Correlativamente, há o problema da hierarquização destes tipos (ou destes gêneros) em relação uns com os outros : o que caracteriza o modelo geral (o tipo super-ordenado) e o que caracteriza o sub-tipo ou o sub-gênero ?
O que propomos, é construir uma tipologia, não das formas nem dos sentidos, mas das condições de realização dos textos – isto é, dos “contratos de comunicação” – considerando que existem contratos mais ou menos gerais que englobam outros, e que cada um destes pode comportar variantes. Por exemplo, o contrato de comunicação “propagandista” engloba contratos particulares como os do “discurso publicitário” e do “discurso eleitoralista”, e, no âmbito do discurso publicitário, encontram-se variantes tais como a publicidade de “rua”, de “revista” ou de “anúncios televisionados” [26]. Do mesmo modo, o contrato de comunicação do “debate” comporta contratos particulares como os do “debate midiático”, “debate científico”, “debate político” (parlamentar), e no interior do “debate midiático” encontramos variantes como o debate “cultural”, debate “social”ou “talk show” [27]. Tal modelo permite estudar as modificações eventuais sofridas por um contrato através do tempo, assim como as diferenças na realização de um mesmo contrato em contextos socioculturais diferentes [28]].
Isto implica, então, que à condição de “contrastividade” de que falamos esteja atrelado um critério de “abertura/fechamento”, que consiste em construir o corpus segundo um movimento em caracol que procede por contrastes sucessivos.
Estes contrastes podem ser internos. São estabelecidos em torno de alguns dos dados do contrato. Por exemplo, para o estudo da publicidade, poder-se-á construir um corpus em torno de um mesmo produto, contrastando-se as “marcas”(Peugeot, Fiat, Ford, etc), ou um corpus transversal aos produtos, contrastando certas “representações” (a mulher na publicidade / o homem na publicidade), ou ainda um corpus em torno de uma mesma marca, contrastando os “suportes” (a publicidade das revistas / os anúncios televisionados / os out-doors).
Mas a abertura / fechamento pode ser mais ampla, e os contrastes externos, enfocando as variáveis de espaço (o mesmo contrato em diferentes contextos socio-culturais : a publicidade na França, na Espanha, na Inglaterra), de tempo (o mesmo contrato em diferentes épocas : a publicidade dos anos 50-60, 70-80, 90), ou confrontando contratos diferentes para estudar suas semelhanças e suas dissemelhanças (o contrato publicitário e o contrato informativo ou o contrato político).
Uma vez construído o corpus, e tendo este sido contrastado de maneira a definir o contrato de comunicação (sendo esta a primeira tarefa da análise do discurso que defendemos aqui), torna-se possível proceder tanto à análise de textos particulares, quanto (como conseqüência) à proposta de uma tipologia.
Com efeito, a partir deste trabalho de construção e contraste do corpus, é possível descobrir, destacar e interpretar (por um processo inferencial) os índices que caracterizam cada texto. Tais índices apontarão : ora para a relação do texto com os dados do contrato a partir de inferências situacionais - que podem configurar a conformidade ao contrato, (sua reativação), ou sua negação (sua transgressão) ; ora para o jogo estratégico que é próprio ao sujeito comunicante, no interior do contrato, quando tais índices são confrontados com outros elementos do contexto (inferências contextuais) ou com um corpus (que seria “virtual”) – constituído este último por um certo saber experiencial compartilhado (inferências intertextuais) [29]. Isso tudo tem a ver com a análise de texto.
Eis porque sempre propomos diferenciar análise de texto e análise de discurso. A primeira incide sobre um texto, consiste em analisar um texto (qualquer que seja sua configuração) – que é o resultado de uma combinação de certas condições de produção com operações de “discursivização”, isto é, com operações de construção do discurso – em seu desenvolvimento linear, de uma forma ao mesmo tempo progressiva e recorrente. A segunda (a análise de discurso) incide sobre um corpus de textos reunidos em torno de um tipo de situação (contrato) que os sobredetermina, para que sejam estudadas suas constantes (visando definir um gênero), e suas variantes (visando definir uma tipologia de estratégias possíveis). Quando se diz que se está fazendo “a análise de discurso de um texto”, é necessário explicitar se o texto constitui um fim em si ou se é um simples pretexto.
As questões pertinentes à abordagem deste aspecto do quadro metodológico são as seguintes :
Um modelo de análise do discurso deve poder dar conta de todos os atos de linguagem, quaisquer que sejam. Deve, pois, dar conta tanto de diálogos quanto de textos escritos. Construir um modelo tome por objeto o estudo apenas um destes tipos de textos equivaleria a engajar-se numa construção necessariamente ad hoc que não teria alcance geral.
De início, convém distinguir, sob nosso ponto de vista, situação de comunicação e texto. A situação é o que define o ato de linguagem em sua função e finalidade comunicativas. Há dois tipos básicos de situação : situação de interlocução, na qual os parceiros do ato de linguagem estão fisicamente em presença um do outro e ligados por um contrato de troca imediata [30], e situação de monolocução na qual os parceiros, quer estejam ou não presentes, estão ligados por um contrato de troca postergada. O texto é o resultado de um ato de linguagem, e de acordo com a situação de produção, será um texto monológico ou dialógico [31].
Entretanto, ambos os casos concernem o discurso. É por isso que, no estudo dos textos, sejam quais forem, partimos de nossas hipóteses gerais sobre o funcionamento do discurso, as quais constituem, aqui, um quadro de pesquisa :
para determinar :
No que diz respeito à questão do lugar que devem ocupar, numa análise de discurso, os diferentes componentes da forma semiológica de um texto, a resposta não é simples. Isto é comprovado pela terminologia diversificada que se encontra nos trabalhos que abordam o domínio da relação entre o verbal e o não-verbal : “multicanalidade”, “pluricódico”, “plurimodal”, “multi” ou “pluri-semiológico” (cf. N. Nel, 1990, p. 53).
Convém distinguir, então, o texto (como manifestação verbal e não verbal) daquilo que, em torno dele, faz parte de suas condições de “discursivização”, a saber : o contexto (como um outro texto manifesto que se acha antes e depois de uma seqüência considerada), a situação (como condição contratual de produção-interpretação). Além disso, por outro lado, deve-se considerar que um texto é compósito do ponto de vista de sua materialidade semiológica (logo, efetivamente : “pluri-códico”), porque em sua significância ele depende de uma pluralidade de matérias semiológicas, as quais se combinam numa integração textual, remetendo-se mutuamente (em suas relações de “ancoragem” ou de “relê” tal como o propôs R. Barthes [33] ), não podendo dissociar-se umas das outras.
Em face deste sincretismo, duas posições são possíveis. Uma, a de Cosnier (1982, 1984), enfatiza a sincronicidade da troca verbal (recebida acusticamente) e não-verbal (recebida visualmente), isto é, “a estrita sinergia entre o verbal e o mimogestual” (Cosnier et Brossard, 1984, p. 20). Assim sendo, será preciso conduzir concomitantemente a análise dos elementos da comunicação, considerando que o visual, isto é, o não verbal, predomina sobre o verbal (op. cit. p. 15).
A outra posição, que é a nossa, consiste em estratificar o objeto em níveis de análise autônomos correspondentes às diferentes dimensões semiológicas. O CAD estuda cada uma dessas dimensões (o Verbal, o Visual, o Gestual) separadamente. A princípio, o objetivo da autonomização dos estratos é proporcionar, a cada grupo de pesquisadores que se dedicam a um dos estratos, a descoberta de suas próprias unidades, as do estrato, e seu modo de combinação. Num segundo momento, estudar as relações entre os estratos, as quais podem ser de integração ou de interação (compreendendo os contrastes, as oposições, as convergências). [34]
Toda instrumentação de análise depende tanto do quadro teórico quanto das hipóteses metodológicas gerais que dele decorrem, para especificar em seguida, as ferramentas adequadas ao tipo do objeto. É por isso que consideramos que a instrumentação de análise deve destinar-se a dar conta do que está em jogo no objeto de estudo enquanto ato de comunicação. Assim sendo, não nos parece muito útil proceder a análises de corpus ou de textos que se limitem a confeccionar um catálogo de suas características (retóricas, lexicais, enunciativas, etc.) sem nada dizer sobre a significância psicossocial do objeto.
Nossas hipóteses metodológicas de base são as seguintes :
Estas três hipóteses determinam três espaços de estudo dos atos de linguagem, os quais designamos como espaço de locução, espaço de relação, espaço de tematização-problematização [35].
A partir destas hipóteses gerais, é necessário construir instrumentos diferenciados para a análise de textos dialógicos ou monológicos.
Para os instrumentos de análise de textos dialógicos, remetemos o leitor aos trabalhos do CAD sobre a análise do discurso radiofônico (1984a) e dos debates na televisão [36]] que distinguem : os modos de tomada da palavra, os papéis comunicacionais, os modos de intervenção, os movimentos das trocas, os encadeamentos temáticos, os perfis argumentativos.
Para os instrumentos de análise de textos monológicos, remetemos a nossos trabalhos sobre a imprensa escrita (1988a) e a outros sobre o discurso publicitário.
Para os instrumentos de análise do não-verbal, remetemos aos trabalhos de A. M. Houdebine e de V. Brunetière sobre o gestual [37] ; e aos trabalhos de G. Lochard e J.C. Soulages sobre a imagem da televisão. [38]
A lingüística, de um certo ponto de vista, é “ingênua” quando sua teoria e seus intrumentos de análise deixam de lado a descoberta interesses em jogo na significação psicossocial dos atos de linguagem de uma comunidade sociocultural.
É na carga semântica das palavras, através dos modos de organização do discurso que as integram, e em situação de troca que se pode recuperar os traços desses jogos de interesse.
Uma tal abordagem do discurso tem múltiplas filiações : pragmática, psicossociológica, retorico-enunciativa, e mesmo socio-ideológica. E é, necessariamente, pluridisciplinar.
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